carta de paz

Marcela.
4 min readApr 28, 2023

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novela: a lei do amor (2016)

O amor soprou de outro lugar
Pra derrubar o que houvesse pela frente
Tenho que te falar
Essa canção não fala mais da gente.

Maria Bethânia — Era pra ser

Fiz as pazes com o meu passado.

Dia desses eu te vi passando na rua. Achei que meu coração fosse sair pela boca, que minhas pernas fossem paralisar. Dei sorte de você não ter me visto e ter seguido seu caminho, então, segui o meu. Mas não pude deixar de notar o quanto você mudou, ainda que não fisicamente — você agora é uma pessoa completamente diferente daquela que eu conheci aos dezoito.

Tenho que ser honesta comigo mesma: te ver ainda me causa algo. Não sei se pelo fato de termos sido o primeiro amor um do outro — por favor, não tire de mim a ilusão de que fomos o primeiro amor um do outro — ou se por todas as primeiras vezes que tivemos e que, hoje, nós temos com outras pessoas. Também não sei explicar o sentimento. Não sei se é saudade, nostalgia ou algo parecido. Deve ser. Porque você fez parte de uma época importante da minha vida e às vezes eu sinto falta daquela menina que você conheceu. E queria que a minha eu de agora sentisse pelo menos um pouco do que ela sentiu quando te amou. Porque, cara, depois de você, ela não amou mais ninguém. E quando pensou que amou, não vingou.

Mas, não se iluda: não ter amado ninguém não significa que eu ainda ame você, ou que, de alguma forma, você é insubstituível. Eu só aprendi a amar de um jeito diferente. E, por isso, não consigo amar alguém da mesma maneira. Porque o primeiro amor sempre deixa alguma cicatriz, algum machucado, e curá-lo é bem mais difícil do que parece. Aí eu decidi que não ia insistir no amor; vou esperar ele chegar. Uma hora ele vai de chegar. Não sei quando também, mas essa é a graça da coisa toda.

Não saber de nada. Tem coisa melhor do que não criar expectativa naquilo que não tem raiz?

Às vezes passa um filme na minha cabeça. Lembro de todas, absolutamente todas as nossas cenas. Como num filme bem chato de romance barato. Do pedido de namoro completamente bobo ao término por mensagem de celular. Das minhas lágrimas até o primeiro beijo que eu dei depois de você. Da maneira como eu me olhei no espelho pela primeira vez e senti que a minha alma tinha voltado pra mim. De como eu te odiei quando descobri que você tinha me superado. Do quanto eu te odiei. Esse sentimento eu lembro bem.

O ódio foi uma parte essencial pra construção dessa minha nova personalidade. Me desculpe, de verdade, mas eu precisei te odiar muito pra poder me amar de novo. Te odiei tanto que um dia eu esqueci o porquê. Passava horas buscando uma razão plausível pra manter você na minha lista negra, mas não existia motivo algum pra te odiar. Muito pelo contrário: passei a entender que você não fazia nada de propósito; nós éramos jovens demais, sonhadores demais. Nós dois erramos. Juntos. E cabe a cada um a chance de não cometer os mesmos erros novamente, e fico feliz que você não os cometa agora. Meu erro, naquela época, foi ser passiva demais. Você detestava isso, né? A maneira como eu lidava com os meus problemas, os nossos problemas, sempre tentando amenizar as situações e evitando ao máximo qualquer conflito. E às vezes você só queria conflito. Porque relacionamentos saudáveis precisam de conversas desconfortáveis. E eu tirei isso de você.

Te peço perdão por isso. Mas, não se iluda: pedir perdão não significa que você estava certo o tempo todo.

Até porque evitar conflito é uma característica muito acentuada da minha personalidade, e você sempre soube disso. Eu não gosto de discutir. Eu raramente discuto. É preciso ser muito babaca pra me tirar do sério, e, pasme, você conseguia. Porque gostava de me ver irritada ou porque parecia interessante atiçar essa parte obscura da minha pessoa. Mas, nunca briguei. Nunca gritei, nunca xinguei. Fui irônica, devolvi na mesma moeda. Fui esperta. Não te dei aquilo que você queria, e isso te deixava irritado, e essa era a minha maneira de me vingar. E os dois estavam tão errados.

Não dá pra amar quando tudo que te causa emoção causa dor no outro.

Nós estamos tão melhores agora, penso. Você aí do seu canto, eu aqui do meu. Tão melhores que eu até esqueço que um dia eu te odiei, que até dá vontade de te abraçar e dizer quanto tempo!, de mandar um beijo pra sua família e dizer que sinto saudade deles. Dia desses encontrei tua irmã e acenei de longe, mas me arrependi; poderia ter dado um abraço nela, ter perguntado sobre a vida. Mas essa cidade é pequena, eu sei, e a gente ainda vai se cruzar.

Tudo que eu posso te dizer agora é que espero que você seja muito feliz. De verdade. Com toda a honestidade que existe em mim. Você foi meu primeiro amor, e, apesar de tudo, você foi especial pra mim.

Que a próxima vez que a gente se cruzar na rua você me reconheça.

Com carinho.

Texto inspirado na canção “Era Pra Ser”, de Maria Bethânia.

https://youtu.be/5ApDIPn3yso

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Marcela.

24. acadêmica de letras que se aventura no universo jornalístico. escritora em evolução. Instagram e twitter: @marcelazuos